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A gente tem que lutar todos os dias

A primeira vez que ouvi que eu era negra foi de uma pessoa branca, ela me disse: você é negra. A primeira vez que entendi o racismo foi quando ao abrir o portão de acesso ao prédio que eu morava uma mulher branca me parou e me tratou como uma prestadora de serviço dela, serviço esse maioritariamente ocupado por mulheres negras. Eu respondi para ela: eu não sou funcionária, eu moro aqui. Ela não soube o que responder, virou as costas pra mim e eu já subi as escadas com lágrimas nos olhos e chorei por horas. Chorar doeu muito nesse dia. Eu, por ser negra da pele clara e ter o cabelo liso escovado na época, nunca achei que passaria por isso, mas sim, eu passei, chegando em casa, com as compras na mão e a chave do apartamento localizada numa Avenida, pago com o trabalho dos meus pais que sempre priorizaram a educação e a minha segurança e dos meus irmãos (meu irmão era graduando em Ciências da Computação, chefiava o setor de informática de uma rede de alimentos em atacado, minha irmã é psi

Uma convocação a Lunga

A gente tá precisando ser Lunga, juntar todo mundo e se unir em prol de um só, um Lunga da vida. Eles querem que a gente seja dócil mesmo, que a gente seja ~leve~, que a gente não questione nem seja brabo. As pessoas estão morrendo, gente! A linha de frente tem entrelinhas, tem assalariado, tem mãe de família que não tem escolha, tem a galera que coloca a mão no lixo. Tem galera revirando lixo pra comer, sempre teve, mas o espírito de solidariedade só bateu agora. Agora que tá todo mundo apavorado sem saber o quê fazer. Lunga permanece escondido dentro de todos nós, com medo mesmo, escondido lá no alto da barragem, do muro, da janela, do prédio, dentro de casa. Quando vamos pentear os cabelos, colocar uns acessórios bacanas, uma bota massa, juntar com os amigos e chutar quem tá nem tchum nem preu pra gente? Tá faltando um espírito de Lunga na gente. Todo dia o cara ri da gente, sem nem disfarçar, é direto e reto, somos os palhaços, não ele. Ele sabe que quando a poeira baixar a galera

Isolamento social, distanciamento e abraços

Haviam oito anos que eu não via meu padrinho. Estou  há alguns dias na casa dos meus pais por conta da quarentena do coronavírus, acabou que numa tarde minha mãe teve que ir ao supermercado e eu a acompanhei, e foi lá que encontrei o meu padrinho depois de oito anos. Eu o vi de longe e imediatamente abri um sorriso, ele também. Sempre gostei muito dele, e como acontecia na infância o meu coração ficou feliz ao vê-lo... acelerou e tudo mais. Oito anos. Ele foi caminhando em minha direção, eu fiquei esperando ele chegar, bem feliz da vida, como já disse. Daí ele não me abraçou, não chegou perto. Isolamento social, coronavírus, Covid-19, pandemia. Subitamente todas as informações que giram em torno dessas palavras começaram a fervilhar na minha cabeça como uma panela de pressão em pleno fapor. Oito anos que eu não via o meu padrinho e quando por um acaso do destino a gente se encontrou não pude dar um abraço apertado e demorado. Ficamos eu e ele distantes por cerca de um metro e meio, m